A vingança (ou: Dia de formatura)

Luís era um menino alegre e divertido. Com onze anos, estava iniciando um novo ciclo: a segunda parte do ensino fundamental, no sexto ano.

A escola onde estudava desde a primeira série tinha dois períodos. No matutino estudavam as crianças menores, do primeiro ao quinto ano. À tarde eram os alunos maiores, do sexto ao nono ano e os do ensino médio.

Era o primeiro dia de aula do ano e a diretora quis inovar. Resolveu fazer a apresentação dos professores não nas salas de aula, mas no gramado em desnível que ficava entre o prédio da escola e a quadra de esportes. Era como se fosse uma arquibancada sem degraus. “Neste primeiro dia não precisa vir de uniforme. Podem ficar à vontade”, dizia o aviso enviado aos pais dos alunos.

No horário combinado, os meninos e meninas estavam lá, sentados no gramado esperando a abertura do ano letivo. Luís resolveu levar ao extremo a recomendação de “ficar à vontade”: foi pra escola com um pijama que era uma fantasia de coelho, com orelhas pontudas e rabinho em forma de floco. Também estava de pantufas.

Fez sucesso entre os coleguinhas e se sentiu popular. Não parava quieto e conversava com todos. Mas, ao tentar subir o gramado entre os demais alunos que aguardavam o pronunciamento da diretora, acabou tropeçando na fantasia-pijama e caiu de costas sobre Renata, uma aluna do nono ano que também estava aguardando o início da apresentação.

– Ai!! Gemeu a menina, ao ser atingida pelo corpo de Luís.

No entanto, o incidente não foi tão grave. Renata não se feriu e Luís acabou de costas no solo, após a queda.

Mas Alexandre, outro aluno do nono ano, que era apaixonado por Renata, resolveu demonstrar cavalheirismo da pior forma: saltou sobre o corpo caído de Luís e xingou:

– Idiota!!

E passou a desferir socos no rosto do menino indefeso. Além disso, havia a diferença de tamanho: Luís ainda era uma criança franzina enquanto Alexandre, aos 14 anos, já era adolescente.

Quando os professores e outros servidores da escola conseguiram conter o agressor, o rosto de Luís já estava cheio de hematomas e sangrava pela boca e nariz. Desfalecido, foi socorrido a um hospital. A apresentação dos professores aconteceu, mas a cerimônia perdeu o brilho e foi abreviada.

Quando voltou à escola, Luís não era mais um menino alegre. As agressões avariaram o seu cérebro e ele ficou soturno e cabisbaixo, ao mesmo tempo que mancava devido a uma interferência cognitiva causada pelos socos.

 

Passaram-se os anos. Alexandre cursou o nono ano, depois os três anos do ensino médio, ali na mesma escola. Completou 18 anos e ganhou um automóvel. No dia da formatura, estava pronto para levar os pais ao salão onde seria a colação de grau. De roupa social e gravata, saiu de casa e falou:

– Espero vocês no carro!

Orgulhoso, iria dirigindo para sua formatura. No entanto, assim que entrou no carro e deu a partida, ouviu a mesma ofensa dita anos antes:

– Idiota!!

Luís apareceu na frente do carro com uma enorme pedra, que alçava sobre a cabeça com as duas mãos. Lançou a pesada rocha sobre o para-brisa do carro, que, resistente, trincou mas não quebrou. Luís correu e Alexandre, surpreendido e cheio de ódio, acelerou:

– Eu vou matar você!

Luís correu pela rua e Alexandre foi atrás, de carro. O primeiro disparou pela calçada enquanto o segundo tentava se aproximar para consumar o atropelamento.

Logo em seguida, contudo, Alexandre perdeu Luís de vista. Irresponsável, continuou em alta velocidade até que, numa esquina, se deparou com um caminhão de lixo que, parado no meio da via, aguardava os coletores que recolhiam os sacos da vizinhança.

Luís e Alexandre se encontram todas as semanas, numa clínica de reabilitação. Luís faz fisioterapia para tentar deixar de mancar, enquanto Luís busca recuperar os movimentos perdidos após o traumatismo craniano resultado do acidente com o caminhão de lixo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *