Encontro inusitado (ou: Um homem na janela)

Era sábado à tarde. Da janela de seu quarto, ele olhava a paisagem lá fora. Os telhados vermelhos das casas baixas da cidade, os montes ao longe, o horizonte. Era uma sensação de paz, embora também de solidão. Pensava nas filhas que nunca o visitavam, na ex-mulher que não via há muito tempo.

Uma névoa surgiu de leste, embranquecendo a vista. Era sinal de mudança de tempo. Ele gostou do que viu. Pegou o celular e fotografou a neblina que flutuava abaixo de seu apartamento;

– Vai dar uma excelente imagem!

Ele aprovou sua obra e postou no Instagram. O clima esfriou um pouco e logo começou a chover. Ele fechou os vidros e continuou vendo os pingos molharem o chão.

Subitamente, porém, avistou algo surpreendente: sobre o muro que dava proteção ao condomínio, apareceu andando uma jovem, de calça jeans, sandálias, camiseta, um colete de couro marrom aberto e com uma pequena bolsa a tiracolo, também de couro marrom, combinando com o colete. Tinha cabelos pretos, lisos e curtos, estava amarrado em um singelo rabo-de-cavalo.

Ele ficou medo de que ela caísse do muro, mas ele era largo o suficiente. Tanto que ela se abaixou e deitou-se de costas, deixando a chuva cair sobre si. Estava completamente encharcada. Ele abriu a janela e gritou:

– Menina, saia daí!!

Ela ouviu e ele fez sinal para que ela viesse até a janela. O que, levantando-se, ela o fez. Andou novamente sobre o muro, até o canto e seguiu até o local onde as paredes se encontravam. Ele esticou o braço e ela também. Com um esforço conseguiu segurar a mão dela. Ele puxou enquanto ela apoiou um dos pés na parede. Com alguma dificuldade conseguiu trazê-la para dentro, através da janela. Conseguiu ainda pensar que seria o caso de colocar uma grade, uma vez que até então ele se achava em segurança, mas viu que, se ela passou por ali, um ladrão também poderia entrar.

Ela estava gelada e ele indicou o banheiro para que ela tirasse a roupa molhada (se bem que ainda não sabia o que faria para ajudar). Ela entrou, mas nem fechou a porta. Tirou primeiro as sandálias, depois a calça. Ele viu que ela estava com uma calcinha vermelha. Sentiu uma ponta de desejo, mas, rápido, voltou-se para seu próprio guarda-roupa. Pegou uma de suas bermudas e deu a ela.

– Use isto! – Ordenou.

Ela tirou também a calcinha (mas ele não ousou olhar) e vestiu a bermuda. Tirou o colete e ficou com a camiseta molhada. Ele disse:

– Tome um banho quente!

Então ela falou as primeiras palavras:

– Não quero!

Estava chorando muito. Ele viu que ela estava fora de si e pegou uma toalha para que se secasse. Ela não o fez. Continuou chorando e, de frio e tristeza, tremendo. Ele mesmo pegou a toalha e passou a secá-la. Ela tirou a camiseta e ficou apenas de sutiã. Ele passou a toalha pelas costas dela, tentando não se deixar excitar pela pele macia. O sutiã também estava ensopado. Encorajou-se e desencaixou os colchetes, soltando a peça do corpo dela.

Ele continuou secando o corpo dela, enquanto ela continuava chorando. Sentados no carpete, ele ficou atrás dela e passou a toalha para a parte da frente. Secou primeiro as pernas que, arqueadas, facilitou a ação. Secar a barriga e os seios foram mais difícil. Era preciso levantar as mamas para tirar a umidade. Ele envolveu a mão na toalha para não evitar o contato direto com a pele.

O apartamento era bastante confortável e as paredes grossas evitavam que o frio entrasse. Ainda assim a temperatura era desagradável para ela, que estava seminua. Ela abraçou as próprias pernas para tentar se aquecer. Ele abriu o guarda-roupas e pegou uma camiseta de mangas compridas e deu para ela.

– Vista isso.

Ela vestiu a camiseta e continuou sentada, olhar vago para o nada e fungando, ainda reflexo da friagem e do choro. Ele se aproximou e perguntou:

– Qual o seu nome?

Ela não respondeu. Ele ficou sem saber o que fazer. Chamar alguém para ajudar? Avisar a polícia?

Ele nunca trazia nenhuma mulher para casa. Ficou imaginando o que pensariam os vizinhos. Como reagiriam suas filhas, sua ex-mulher. Talvez perdesse o emprego, caso o assunto virasse um escândalo e a empresa decidisse que a imagem da corporação poderia ficar comprometida.

A moça falou:

– Estou com frio.

Ele perguntou, apontando a cama:

– Quer se deitar um pouco?

Ela abaixou e levantou a cabeça, sinalizando que sim. Ele pegou um cobertor, enquanto ela se deitava. Cobriu-a ternamente e ela abraçou o travesseiro. Parecia carente.

Em pouquíssimo tempo ela ressonava. Ele sentou-se no chão, apoiado no sofá. Uma menina desconhecida realizava um sonho que ele tinha de ver qualquer de suas filhas ali, hospedada em sua casa. Era fim de tarde e logo anoiteceu, a chuva fina mas constante caindo lá fora.

Ele também acabou adormecendo, numa posição um tanto incomum: a cabeça apoiada no sofá e a boca aberta, as mãos cruzadas sobre uma almofada. As luzes da noite entravam pelo vidro da janela e criavam uma atmosfera de intimidade.

Perto das oito da noite ele acordou e ela ainda ressonava. Ele viu um brilho no teto e levantou-se para ver que luz era aquela que estava sendo refletida. Ao lado da janela a bolsinha de couro estava aberta e o celular da moça, no silencioso, indicava uma chamada telefônica. Ele, primeiro, ficou receoso de pegar o aparelho e violar a privacidade dela. Por outro lado, aquela situação não poderia ficar indefinida. Era a chance de saber algo dela e resolver o assunto.

Ele pegou o telefone e viu na tela a indicação de quem estava chamando: “mãe”. Ele tentou atender, mas era preciso digitar uma senha e a ligação acabou encerrada. Ele então resolveu acordá-la. Ela abriu os olhos e fixou a vista nele, sem muito entusiasmo. Ele disse:

– Sua mãe telefonou.

Ela então levantou-se rápido.

– Preciso voltar para casa!

Ele perguntou:

– Quer que chame alguém? Sua mãe?

Ela respondeu:

– Não precisa. Vou vestir minhas roupas.

Ele argumentou:

– Não é possível; elas estão encharcadas.

Então ela pediu:

– Posso ficar com suas roupas? Depois eu devolvo.

Ele olhou para aquela figura, vestida apenas com bermuda e camiseta, os mamilos apontando no tecido.

– Você não pode sair assim!

Ela respondeu:

– Não fique preocupado. Eu moro aqui no condomínio mesmo.

– Tem certeza?

– Tenho.

Ele colocou as roupas molhadas em uma sacola de plástico e entregou para ela. A moça pegou. Ele abriu a porta que dava para o corredor do edifício. Antes de sair ela deu um beijo no rosto dele.

– Obrigado. Eu fiquei assim porque o Murilo terminou comigo.

 

Ele se alimentou com qualquer coisa que tinha disponível no armário e na geladeira e foi dormir. O domingo passou normalmente e ele nada soube dela. Ficou um pouco preocupado, mas nada podia fazer. Não tinha nenhuma informação da moça.

Na segunda-feira, como de costume, estava se arrumando para ir trabalhar. Tomou banho, aparou a barba, vestiu-se. Pouco antes de sair, a campainha tocou. Ele ficou imaginando quem seria, ainda mais tão cedo.

Abriu a porta e uma jovem senhora estava lá. Ela trazia a bermuda e a camiseta.

– Meu nome é Ramona. Aqui estou suas roupas. Estão lavadas, passadas e dobradas.

Ele pegou, um pouco ressabiado. Não sabia o que aquela mulher estava pensando dele. Ela meio que adivinhou e disse:

– Não fique preocupado. A Isabela está bem e eu sei que o senhor cuidou bem dela. Muito obrigado.

Antes de sair, a mulher falou:

– De novo, muito obrigado. O senhor foi como um pai para ela.

 

 

One Reply to “Encontro inusitado (ou: Um homem na janela)”

  1. Belo texto! Embora sem nome o personagem central denota caráter,personalidade,valores e cuidados,diante de situação inusitada,propiciada pelos personagens Isabela,Murilo e Ramona,e também pelas lembranças familiares de sua ex mulher,de suas filhas.
    O Roteiro bem elaborado,propicia novos encontros(capítulos).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *